A uma semana das últimas eleições, quem queria uma “cola” para votar em Júnior Furreca ou Filho Tiú se deparou com um papel branco cobrindo os cartazes de candidatos no bar do Sales, em Água Branca, a 98 quilômetros de Teresina. Quem passa por ali, na região do médio Parnaíba, conhece as atrações: a orla do açude, a Lagoa de Santo Antônio, a Igreja Matriz e, é claro, o famoso “bar dos políticos”.

Decoração com cartazes políticos é atração no bar do Sales, em Água Branca

Cartazes políticos compõem a decoração no bar do Sales (Foto: Mauricio Pokemon)

O exemplo acima é fictício: Furreca e Tiú não disputaram as eleições. Não as últimas. Candidatos à prefeitura de Água Branca em tempos longínquo, até hoje seus cartazes estão fixados na parede do “bar dos Sales”, ou “bar dos retratos” – o ponto de parada de todo viajante que venha a passar por ali. Lá se pode escolher o salgado, que sai do forno na hora, ou o bolo frito. O cafezinho é cortesia da casa. Além do lanche, já tradicional, outra característica faz do Sales um lugar peculiar: o curioso acervo de cartazes políticos que decoram o espaço. 

Em várias eleições, de épocas distintas, políticos de todas as esferas passaram por ali. “De vereador a presidente, todo mundo fez parada aqui no nosso ponto”, conta Valmir Sales, um dos donos da lanchonete. A teoria mais aceita é a de que o primeiro a fixar um cartaz naquela parede tenha sido Benedito de Carvalho Sá, o B. Sá, na sua candidatura a prefeito de Oeiras, ano de 1982. “Seu adversário, Juarez Tapety, chegou enciumado e botou o dele também”, conta Valmir. E, para comprovar a história, lá estão na parede os cartazes, amarelados pelo tempo. 

Pastel frito na hora divide com o bolo frito a preferência dos clientes.

Pastel divide com bolo frito a preferência dos clientes (Foto: Mauricio Pokemon)

Apesar do nome bar, historicamente o ponto da família Sales trabalha mesmo é com comida. “Meu pai botou esse ponto para vender refeição a quem trabalhava na construção dessa pista”, diz Valmir apontando para a BR 343, que cruza a cidade e, nos anos 1970, era apenas uma estrada de terra.  

Até os anos 1990, o ponto funcionava como um restaurante, mudando em seguida para lanchonete – um salto nas vendas, atendendo viajantes esfomeados em trânsito para a capital ou ao sul do Piauí. E é muita fome para muita gente. Diariamente saem cerca de 1.300 bolos fritos. Por mês, são 500 quilos de queijo coalho e 400 do famoso requeijão do local. Tudo isso para atender às mais de três mil pessoas que, segundo Valmir, circulam por ali todos os dias. 

Em uma manhã, todos os estilos de clientes entram ali: soldados do exército, passageiros de ônibus, caminhoneiros, jovens, velhos, crianças, médicos, aposentados, turistas de todas as categorias, que fazem pausa para o café. “Aqui é parada obrigatória”, disse Pedro Ferreira, entre uma mordida e outra no pão de queijo. Aposentado, faz a rota Maranhão-Teresina há mais de 30 anos – e todos eles lanchando no Sales. 

Cafezinho é cortesia da casa.

Cafezinho é cortesia da casa (Foto: Mauricio Pokemon)

 Além do pão de queijo, o pastel sequinho está entre os mais pedidos – e a receita vem do Japão. “Um japonês que parava aqui de passagem para a Serra Azul, nos anos 90, disse para a minha mãe que o pastel era muito gorduroso”, recorda Valmir. “Ele ensinou o truque de colocar um copo de cachaça na hora de fritar, e funcionou”.  

Fora da cozinha, seis mesas estão dispostas para atender os clientes – mas a maioria come mesmo é em pé, no balcão. Alguns são tão de casa que ultrapassam o limite do caixa, se servem, pegam a bebida na geladeira. “Não tem jeito, todos andam por aqui há uma vida!”, diz Valdemar Sales, que atende à clientela. “Uma vez tentamos botar um sistema de comanda, mas eles ficaram revoltados”, lembra. “O controle aqui é na base da confiança”. 

No último mês não havia quem não estranhasse a intervenção nos panfletos que decoram o bar. Por determinação de um promotor de justiça, os cartazes políticos tiveram que ser retirados ou escondidos. “Eles entendem como propaganda partidária, mas não faz nenhum sentido porque aqui há cartazes de todos os políticos, de todas as épocas, sem favorecimento a ninguém”, defende Valmir. 

O impasse chegou às autoridades em ofício da secretaria de cultura pedindo a liberação dos cartazes, reconhecendo o bar do Sales pelo valor afetivo que ele representa para o estado, ressaltando a qualidade do lanche e a presença dos cartazes na formação da identidade do local. “Esse estabelecimento é muito mais que um ponto comercial, e bem menos que um local político”, diz o documento. 

Zeca Sales não viveu para ver a decoração do seu bar ser proibida. O visionário comerciante veio do Ceará fugindo com a mulher, dona Cícera. Juntos tiveram seis filhos, e três deles hoje administram o empreendimento que herdaram. “Meu pai deixou um legado que o dinheiro não compra”, diz Valmir, refletindo. “Aqui só temos 10 clientes”, ironiza. “Os demais são todos amigos”.