É certeza passar na avenida Dom Severino com a Rua das Camélias entre 19h e 22h30 e encontrar o carrinho de cachorro-quente do seu Antônio. “Dois cachorros-quentes e dois sucos”, pede um; “o meu é sem milho e sem ervilha”, diz outro. Essas frases e suas variações são as que se escuta por ali: pessoas famintas garantindo o lanche da noite.

Apesar de estarem a postos de domingo a sexta, sempre que passávamos no endereço para entrevistá-los não os encontrávamos. “Minha mãe fez uma cirurgia de hérnia e passou 40 dias de repouso”, explica Arnaldo sobre o motivo maior do não comparecimento.

Completo e com refrigerante: 5 reais (foto: Mauricio Pokemon)

Completo e com refrigerante: 5 reais (foto: Mauricio Pokemon)

Arnaldo Francisco do Nascimento, 37 anos, é balconista de farmácia durante o dia, mas à noite faz um terceiro turno de trabalho no pequeno negócio do pai para assegurar um dinheiro extra. Sentado numa cadeira de plástico na esquina do estabelecimento a céu aberto, o pai, seu Antônio Sampaio do Nascimento, se ocupa em passar o troco dos clientes.

A princípio, não quer saber de conversa. Aposentado depois de 35 anos de serviços gerais na loja maçônica em que seu carrinho de cachorro-quente ocupa a calçada, seu Antônio é incisivo. Dizer a idade? Nem pensar! Revelar a apuração do dia? “Isso aí é que eu não digo mesmo”, defende.

Há 18 anos no mesmo ponto de venda, Arnaldo confessa a fórmula: “A alma do negócio é manter a qualidade”. A fila para comprar cachorro-quente é grande. Às vezes, pequenos grupos se amontoam e, em outros momentos, até 15 pessoas esperam a vez para comprar direto na mão do seu Antônio.

A família, de Piracuruca, no Piauí, veio para a capital trabalhar. Hoje, os seis filhos já adultos trabalham em outras atividades profissionais, enquanto Arnaldo auxilia na venda do cachorro-quente e sua irmã ajuda a mãe no preparo da carne e do molho. Foi de um irmão que mora em Brasília a ideia da barraquinha de cachorro-quente. Na época, a mãe de Arnaldo, sem atividade profissional foi presenteada com o carrinho providenciado direto da capital federal.

E o negócio se expande na família. A esposa de Arnaldo hoje fornece cachorro-quente para lojas de conveniência de postos de gasolina e está planejando a reforma da cozinha em casa, para melhorar o esquema de produção caseira.

O famoso "cachorro-quente da maçonaria" (foto: Mauricio Pokemon)

O famoso “cachorro-quente da maçonaria” (foto: Mauricio Pokemon)

 

Em torno de 180 pessoas passam no local por dia. Alguns chegam a levar 10 a 20 cachorros-quentes para casa. E os clientes não são apenas da zona leste, segundo Arnaldo. Saem dos seus bairros na zona sul e outros lugares. “Vamos até providenciar um telefone”, planeja, para que os interessados confirmem o horário, dias de funcionamento e até negociem encomendas, como já aconteceu para festas infantis.

O combo de cachorro-quente com suco de fruta ou refrigerante lata de 250ml varia de R$ 5,00 a R$ 6,00. “Aqui já passaram americanos e até gente que comeu, foi morar em São Paulo e voltou 10 anos depois”, comenta sobre a variedade dos fregueses.

Falar com nossos entrevistados não foi fácil. Afinal, nós é que estávamos interrompendo o trabalho no meio do expediente deles. Assim que tinha um intervalo entre preencher um pão com carne e salsicha e outro, Arnaldo voltava à nossa mesa para dar mais detalhes.

O processo para vender os cachorros-quentes é longo. Os pães são comprados diariamente e a carne três vezes por semana. Tudo é preparado em casa, que fica próxima ao local e o carrinho de cachorro-quente é guardado nos fundos da loja maçônica. Todos os dias seu Antônio e Arnaldo montam tudo. A família conta com a ajuda de duas funcionárias que servem as mesas e completam o trabalho de Arnaldo, recheando o pão com tomate, cebola, pimentão, cenoura, milho, ervilha e batata-palha – tudo de acordo com as preferências do cliente.

Desbancando as franquias (foto: Mauricio Pokemon)

Desbancando as franquias (foto: Mauricio Pokemon)

 

Recentemente uma franquia de fast-food se instalou na esquina ao lado. Segundo Arnaldo, não foi nada negativo para as vendas e a clientela continua fiel. Só não competem com a chuva. “Quando chove não tem jeito”, e a presença do carrinho fica para o dia seguinte.

Depois de um conhecido da nossa equipe e cliente do local assegurar exageradamente que as fotos do nosso fotógrafo Maurício Pokemon “circulariam o mundo”, seu Antônio, que não queria revelar seus segredos culinários no começo, nos perguntou interessado se “os retratos eram desses de emoldurar”. Explicamos que as fotos sairiam na revista. “Revista?”, surpreendeu-se, parecendo animado. Logo, seu Antônio vai ver seu trabalho realizado ao longo de 18 anos estampado nas páginas de uma revista.