Bicicletas de ponta-cabeça, vitrola pendurada no teto, violeiro de barro em um santuário e uma simpática cobra sucuri no balcão do caixa. Este é o cenário de um bar underground que virou sucesso no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Entre as casas, pequenos comércios e a tranquila vizinhança, esconde-se, à meia-luz, a Toca do Plácido.

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(Fotos: Mauricio Pokemon)

Esta é uma seção para pegar o leitor pela boca mas, no caso da Toca, você será primeiramente fisgado pelos ouvidos: Roberta Sá, Vanessa da Mata, Tim Maia na fase Racional e sambinhas bons saem das caixas de som. O estilo samba-rock, aliás, faz lembrar algum bar praiano – e se você for para o ambiente do fundo, a sensação de pé na areia torna-se real. Lá, porquinhos-da-índia e jabutis passeiam despretensiosamente por baixo da mesa dos fregueses.

Os pequenos animais (há ainda alguns marrecos e um elegante galo chinês) são apenas algumas das curiosidades daquele espaço. Para todo lado que você olhar, verá algo curioso, inusitado e que, de certo modo, compõe a história daquele lugar. A Toca do Plácido existe há mais de 20 anos, como um botequim – tinha apenas um balcão, quatro mesas, e era comandado pelo próprio Plácido. Hoje, o proprietário é Marcelo Costa, teresinense que nos conta como foi parar ali.

“Eu tinha 17 anos, vim passar um réveillon em Fortaleza e nunca mais voltei”. Moreno, despojado, anda descalço e coça a barba enquanto relembra a história do bar: “Plácido foi meu pai adotivo aqui no Ceará”. Na juventude, Marcelo namorou Wellington, filho de Plácido, e morou com a família durante anos. O romance acabou, Plácido morreu, e hoje Marcelo e Wellington são sócios na creperia que funciona no andar de cima do bar.

LÁ, PORQUINHOS-DA-ÍNDIA E JABUTIS PASSEIAM DESPRETENCIOSAMENTE POR BAIXO DA MESA DOS FREGUESES.

O segundo piso, aliás, é uma laje construída em uma semana. “No ano passado fiscais da prefeitura chegaram aqui uma noite, mandaram os clientes se levantar e levaram todas as mesas do bar”, conta Marcelo. Com a popularização da Toca do Plácido os visitantes foram aumentando, e as mesas costumavam ficar espalhadas pela rua, na calçada. “Eles me notificaram e deram uma semana para resolver o problema, eu não podia abrir o bar”. Foi quando veio a ideia de crescer para cima. E para os fundos – o quintal é um terreno alugado do vizinho.

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(Fotos: Mauricio Pokemon)

Mas nem só de botequim vive o homem – a Toca do Plácido é frequentadíssima por amantes da boa comida de boteco. Um dos primeiros petiscos a ficar famoso por ali envolve também uma interessante lenda. Trata-se de um bolinho de queijo coalho assado na chapa, com tomate seco, melaço e ervas – há quem diga que o segredo é um tempero de maconha. “Eu usei nas primeiras vezes, só entre amigos, aí a história se espalhou”, diz o cozinheiro aos risos.

Sim, é Marcelo o criador de todos os aperitivos da Toca. “Eu faço umas invenções. Na cozinha, tudo é alquimia”. O modesto dono do bar já foi por dois anos finalista do concurso Comida di Boteco, ganhando em 2012 uma das categorias. Um dos pratos dignos da disputa nacional é até hoje a especialidade da casa: camarão f lambado na cachaça – leva maracujá, alecrim e manjericão. O prato finalista em 2013 era feito com linguiça de cabrito assada e macaxeira prensada e frita. Tinha o sugestivo nome de “linguiça atolada do Marcelo”.

Outro destaque gastronômico da Toca do Plácido é a Pizzaria Criolo Doido. Nada de “à moda” ou “portuguesa” – todas as pizzas por ali levam nomes de personalidades como Preto Velho, Aleijadinho e Martin Luther King. Massa fininha, crocante, forno a lenha e recheios que misturam banana, charque, lombo ou cebola roxa caramelizada.

O cardápio também oferece mais de 12 opções de drinks – duas delas à base de cachaça. “A que mais sai aqui é a Mangueira. Tanto a dose pura, como na caipirinha de maracujá”, diz Marcelo. Repararam que quase tudo que ele inventa tem maracujá? “Ah, é porque maracujá e alecrim são os temperos da felicidade”, diverte-se.

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(Fotos: Mauricio Pokemon)

Enquanto conversa com Revestrés, Marcelo cumprimenta os clientes e faz piada com seus garçons (hoje ele emprega 13 funcionários, a metade é da mesma família e vizinhos da Toca, na Rua Castro Alves). Apesar da boa relação, é um patrão exigente: certa vez levou o próprio irmão, de Teresina, para trabalhar com ele no bar, mas o despachou dias depois quando ele começou a faltar ao trabalho.

O patrão diz não se achar simpático e tem convicção da fama de abusado. “É pelas minhas postagens no face”, diz. Na rede social, onde soma mais de dois mil amigos, ele transforma a timeline num mural de desabafo. “Tem dia que eu acordo mal e boto lá:hoje não vou abrir a Toca não, e quem quiser que se lasque”, diz aos risos.

No geral (tirando as crises temperamentais do dono), a Toca do Plácido funciona de terça a sábado – com show às sextas e sábados. É reduto de artistas, jornalistas e toda a turma alternativa que se sente acolhida no ambiente. Ali se formaram bandas, casais, saraus de poesia e muitos movimentos culturais cearenses. “Eu não gosto de rotular, mas acho que a Toca pegou por ser um espaço libertário”, explica o dono. “Aqui pode fumar, beijar, namorar, recitar, tocar, tudo é permitido”.

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Em duas décadas, Marcelo foi vendedor de anúncio de jornal, cerimonialista, dono de ateliê na Monsenhor Tabosa, trabalhou com decoração (já assinou a ambientação do restaurante Coco Bambu) e dirigiu o Mercado dos Pinhões. Mas foi na vida noturna e boêmia que se encontrou. “Aqui é a minha casa”, diz enquanto acende um jogo de luz de boate instalado no segundo andar – de lá se tem uma vista bonita da cidade iluminada. “Eu gosto de ver todo mundo junto, conversando, se amando. É, eu amo isso aqui”.