Ícone da Tropicália no início da década de 1970, foi ao lado de jovens de Teresina que Torquato Neto decidiu se refugiar durante os meses que antecederam a sua morte, em novembro de 1972. Para Edmar Oliveira, Durvalino Couto, Claudete Dias e Carlos Galvão, as experiências compartilhadas com o ídolo influenciaram o que eles são até hoje. “Torquato fazia a nossa cabeça”.

É através de alguns relatos que um pouco de Torquato vai se descortinando. Generoso, tímido, simpático e atencioso são as características citadas por quem teve a oportunidade de compartilhar da sua amizade, mesmo que por pouco tempo.

 

Na parede da casa da historiadora Claudete Dias, a foto do filme em que ela contracenou com Torquato Neto – Adão e Eva, do paraíso ao consumo – é a prova da importância do poeta em sua vida. “Não é morbidez e nem alimentar o passado, é porque Torquato foi tão importante que a memória dele continua viva. É como se ele estivesse aqui”, afirma.

De acordo com o publicitário Durvalino Couto, o grupo de jovens foi diretamente influenciado pelo artista. “Ele era um cara muito bem informado. Passamos a assistir os filmes de Jean-Luc Godard e do Cinema Novo, líamos todos os jornais da imprensa alternativa de então, como O Pasquim. Passamos também a nos politizar e conhecer os textos de Marx e Engels; o livro A História da Riqueza do Homem, de Leo Huberman e muitos outros”, recorda.

O documentarista Carlos Galvão comenta que Torquato já tinha a admiração de todos devido à sua influência na Tropicália, considerada por eles como o movimento mais avançado e interessante em música e em vanguarda. Com o convívio, as boas impressões se consolidaram. “Na relação pessoal ele era um cara interessantíssimo, cheio de informações”, conta.

Ao mesmo tempo em que proporcionava conhecimento, o poeta também se beneficiava daquela convivência. Segundo o psiquiatra Edmar Oliveira, as impressões de Torquato a respeito dos jovens foram compartilhadas através de cartas. “Descobri, na sua correspondência com Hélio Oiticica, que ele falava de nossa importância para si”, destaca.

A convivência com o grupo talvez fosse um refúgio, diante da cidade que aparentemente o ignorava. “Torquato que Teresina cultua hoje não era uma figura querida enquanto vivo. Convivemos intensamente com ele e tínhamos a clareza da sua importância para o futuro, o que não era reconhecido pela cidade”, afirma Edmar.

Durvalino lembra as últimas palavras que ouviu de Torquato Neto. Com o cabelo enorme, uma camiseta florida, o umbigo de fora e calça jeans, o poeta iria para o Rio de Janeiro naquele mesmo dia, à tarde. “Minha mãe me acordou dizendo que ele estava no terraço e queria falar comigo. Juntei todos os livros que ele havia me emprestado, mas ele não quis receber. Sorriu, me deu um abraço e disse: ‘É o seguinte, se forme, passe de ano e tal, mas seja bom em tudo!”.

As promessas não cumpridas

Quando morreu, Torquato Neto levou consigo muitas expectativas. Prometeu ajudar a realizar o sonho de alguns jovens com quem conviveu em Teresina, pensava em compor novamente e também queria investir na carreira de cineasta, mas abriu mão de tudo isso. Deixou pela metade os planos que havia feito para si e para os outros.

Segundo Edmar Oliveira, a morte de Torquato foi impactante. “Interrompeu uma convivência que apenas começava”, diz.

Ao cantor Silizinho, o poeta prometeu que iria ajudá-lo, entregando algumas músicas a um artista muito influente do Rio de Janeiro. “Ele levou seis melodias que eu tinha feito, as melhores. Mas logo depois se matou. Não sei se chegou a entregar”, conta.

Claudete Dias lembra que Torquato a incentivou a seguir a carreira de atriz. “Disse que tinha encontrado a moça pra fazer os filmes dele. E que, quando eu chegasse no Rio de Janeiro, a gente ia fazer trabalhos juntos. Eu fiquei fascinada com a ideia, mas quando ele se matou, foi quase que um corte brutal no meu sonho”, revela.

O mesmo aconteceu com Carlos Galvão, que tinha a expectativa de fazer parceria com o poeta. “Eu segurei minha ida de Teresina para o Rio de Janeiro por conselho dele, que me convidou para fazer música. Ele estava rearrumando (SIC) a vida como compositor. O suicídio cortou esses projetos todos”, lamenta.

Um samba com Torquato

 

As datas já se confundem na memória de Silvério Cardoso da Silva, o Silizinho, mas a experiência de compor em parceria com Torquato Neto está bem guardada, assim como as fotos desse momento. “Dizem que imagem fala mais que palavra. Está aí”, diz, mostrando as fotografias em que aparece ao lado de Torquato. “Nessa aqui ele estava escrevendo e eu estou olhando. Aqui eu estou tocando e ele está ouvindo”, explica.

A música é o primeiro samba-enredo da escola Brasa Samba, feita no início da década de 1970, com melodia de Silizinho e letra de Torquato. “Ele foi lá pra casa, perto da Praça Pedro II, e fizemos. Eu tomando uma cachaça e ele guaraná”, recorda.

 

A parceria dos dois, no entanto, já vinha de alguns anos atrás, quando namoraram duas irmãs. “Em 62 ele veio do Rio de Janeiro passar a semana aqui. Eu namorava com uma garota e ele começou a namorar com a irmã dela. Ficamos muito amigos nessa época”, conta Silizinho.

O programa dos casais já era definido. “A gente saía 6h15 do cinema, ficava na praça até 8h30 e 9h da noite as meninas tinham que ir pra casa”, diz, lembrando que Torquato era um rapaz calmo e tímido. “Uma vez nós fizemos uma festa e ele ficou o tempo todo na janela. A namorada doida pra dançar e ele lá, parado”, fala, divertindo-se com a história.

(Matéria publicada na Revestrés#33 – Outubro/Novembro 2017)