(Participaram desta entrevista: Samária Andrade, André Gonçalves, Wellington Soares e Graça Vilhena, poeta e professora)

Escreve, advoga, opina, escreve, lê, organiza, escreve. Ele avalia que já escreveu mais de cinco mil páginas e é provável que tenha sido mais. “Meu filho, ainda pequeno, me perguntou porque eu passo tanto tempo escrevendo, e eu disse: pela mesma razão que você joga vídeo game”. Nelson Nery Costa tem 30 livros publicados, quase todos técnico-científicos na área do Direito, distribuídos pelas maiores editoras jurídicas brasileiras e vendidos nas maiores livrarias do país. Tornou-se presidente da Academia Piauiense de Letras (APL) desde 2014 e tem feito uma gestão dinâmica. Perguntado se sofreu preconceito por não ser um literato, usa para si a mesma sinceridade que impõe aos demais: “Eu fui muito hábil e publiquei um livro de contos”. Trata-se de “Dez em Contos”, textos produzidos pelo autor ainda muito jovem, na faixa dos 15 anos. “Eu publiquei isso mais para preencher uma vaga na Academia de Letras” – admite.

Nelson Nery Costa é como um canivete suíço: mil e uma utilidades. Além de escritor e presidente da APL – que completa 100 anos em dezembro-, é Defensor Público, sócio de escritório de advocacia em Teresina, sócio de editora de livros jurídicos em Curitiba, professor de Direito na graduação e de mestrado em Gestão Pública na Universidade Federal do Piauí (Ufpi). Foi um dos fundadores do curso de Direito da Universidade Estadual do Piauí (Uespi), de onde se orgulha de ter ministrado a primeira aula do Campus Torquato Neto, substituindo às pressas o professor que não apareceu para a aula histórica, às oito horas da manhã: “Eu estava na hora certa, no momento certo”. Ainda foi presidente da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB/Piauí – por três mandatos, presidente da Escola Superior de Advocacia do Piauí (ESAPI) e é membro do Conselho Estadual de Cultura do Piauí. Afiado, tem um olhar crítico sobre os colegas escritores, a produção de ciência no Brasil, sua própria literatura e a falta de traquejo com interações via internet. “Nosso site é horrível, antiquado, ineficiente!”.

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Versátil no uso das palavras, vai desde termos poucos usuais – “o piauiense é extremamente gongórico” – até o coloquial, como quando constata: “escrever é um lance parte inspiração e a maior parte trabalho”, ou quando confessa: “sou um workaholic assumido, mas se pudesse escolher ia andar de bike, tomar um goró”.

Sua dissertação de mestrado, defendida na PUC- Rio de Janeiro em 1984, foi considerada um trabalho científico de vanguarda por discutir, àquela época, a desobediência civil dentro do processo de redemocratização do Brasil. A pesquisa se referia a greve do ABC paulista, de 1978. O jovem pesquisador entrevistou, entre outros, o metalúrgico e líder sindical Lula da Silva.

Para além do tema, outra ousadia de Nery foi enviar a dissertação para várias editoras brasileiras. “Eu era totalmente desconhecido, não tinha um peixe, não tinha ninguém!”. Para sua surpresa, teve resposta afirmativa da Forense, editora jurídica mais tradicional do Brasil, que publicou seu livro. “Teoria e Realidade da Desobediência Civil” teve primeira edição em 1990 e, com o sucesso, uma segunda edição e um contrato com a Forense para o autor. De lá pra cá foram 12 livros publicados por esta mesma editora e cerca de 40 mil exemplares vendidos. “Não é muito, mas para a aérea jurídica é razoável”, afirma.  Outras obras, como “Direito Municipal Brasileiro”, com prefácio do renomado advogado administrativista Celso Antônio Bandeira de Mello, está na 7ª edição, um best-seller. “Me tornei um escritor profissional. A Forense trabalha rigorosamente com direito autoral e eu cheguei a ter sete livros comercializados ao mesmo tempo, obtendo uma renda comparável ao que ganhava nas outras atividades”. Arriscando-se fora da área do Direito e pisando o terreno da história publicou “O Começo do Piauí: os primórdios e a segunda metade do século XVII”.

Mesmo com o sucesso alcançado, admite certa preguiça do que se exige dos escritores hoje, como ser incansável em eventos, salões de livros e se tornar divulgador dos próprios trabalhos. “Já estou há muito tempo no mercado e confesso que perdi esse elã, essa atração, e, no Piauí, a gente fica um pouco isolado”. Parte da obra jurídica de Nery não é lançada em Teresina, onde acha que se faz muita festa para o escritor, mas pouco se compra.

O presidente best seller da Academia diz que não sabe todos os segredos dos livros. Acredita que eles tenham uma personalidade misteriosa e se diverte ao admitir que lançou obras que, apostou, seriam sucesso retumbante, mas se tornaram grandes fracassos. “Eu achei que ia bombar totalmente, mas só vendi uns 300 exemplares” – diz aos risos. Fala do livro “Direito Civil Constitucional Brasileiro”. O que houve? Ele responde: “Pior é que não sei, mas não vendeu naaaada!”- arrasta a última palavra. E informa que hoje quem vende de forma descomensurada são os professores de cursinho para concursos na área de Direito, chegando a 50 mil exemplares por obra.

Nery fez doutorado em Portugal, na universidade Lusíadas, de Lisboa, concluído em 2005. Sua tese foi lançada em livro nas terras portuguesas. Incansável, fez mais um doutorado, concluído em 2011, desta vez na Universidade Federal do Maranhão (Ufma), onde estudou Direito do Consumidor e viu outra tese virar livro. “Como professor de universidade grande parte dos meus livros são produto do meu trabalho na docência”.

Aos 58 anos, é casado com a arquiteta Lavínia e pai de três filhos, dos quais só o primeiro segue a área do Direito. Nery diz que nos últimos anos tem focado no Piauí e se vocacionou para a Academia de Letras piauiense, onde seu trabalho inclui relançar autores clássicos e tentar aproximar novas pessoas da casa. Assim, tem editado livros bem recebidos e autores questionados que defende, adepto da teoria quanto mais melhor.

A conversa com Revestrés acontece na sede da APL, antes de uma cerimônia de lançamento de livros, onde começam a chegar escritores, jornalistas, políticos, pessoas que ele tem conseguido atrair: “Isso aqui também tem que ser como um clube, porque academia também é trato social, não podemos perder essa dimensão”.

(Entrevista completa Revestrés#31 – Junho/Julho 2017)