Ler Drauzio Varella é sempre um prazer. Além, é claro, de um grande aprendizado. Tanto em termos de vida, no tocante à complexidade humana, quanto da escrita envolvente, das que nos prendem da primeira à última página. Foi o que experimentei outra vez, no final de semana, ao concluir a leitura de Prisioneiras, livro que encerra sua trilogia do cárcere. O primeiro surgiu em 1999, Estação Carandiru, que desnuda as entranhas daquele tido como o maior presídio da América Latina, palco de um massacre de 111 detentos que envergonha o país até hoje. Depois, em 2012, veio Carcereiros, sobre os dilemas que atormentam funcionários do sistema prisional brasileiro, adaptado recentemente para série pela Globo. Quase 30 anos depois de ter iniciado esse trabalho nos presídios da capital paulista, na função de médico voluntário, ele retorna mostrando as detentas e seus dramas na Penitenciária Feminina, hoje com lotação pra mais de 2 mil mulheres.

Entre vários aspectos, Drauzio destaca a solidão em que vivem essas presas, esquecidas por seus maridos e namorados, que as trocam por outras, e pelos próprios pais e filhos, que as consideram a vergonha da família – “De todos os tormentos do cárcere, o abandono é o que mais aflige as detentas”. Diz que nunca viu ou soube, inclusive, de alguém que tivesse virado a noite em vigília à espera do horário de visita. E olha que são 11 anos de atendimento semanal. Fosse o contrário, no caso dos homens, o bicho pegava: “Quando são eles os presos, pobre da mulher que os abandone. Correm risco de morte se começam a namorar outro.” O mais absurdo de tudo é que a maioria cumpre pena por causa de seus homens, traficantes e viciados que as levam para o mundo das drogas, iludidas pela ideia de amor eterno e total cumplicidade com os destinos do amante.

Prisioneiras - Capa

 

Quanto ao sexo, segundo ele, as mulheres são bem mais liberais que os homens e até mesmo, acredite, que a sociedade fora dos presídios. Como exemplo, aponta a questão da homossexualidade, geralmente encarada de forma preconceituosa por todos, mas vista por elas sem tabu nem discriminação – “Posturas moralistas são malvistas num ambiente em que a prática homossexual é livre e aceita com naturalidade, desde que não haja beijos na boca nem carícias nas galerias.” Em nenhum outro lugar, ressalta Drauzio, a sexualidade feminina pode ser exercida livremente como na cadeia, liberta da repressão social, daí a multiplicidade de opções no gênero sapatão: originais, folós, sacolas, chinelinhos, pães com ovos e badaroscas, badarosquinhas, entendidas ativas, passivas ou relativas e, não poderia faltar, as mulheríssimas.

Uma história em particular, das inúmeras relatas no livro, chamou bastante minha atenção – a da Tia Maluca, relatada na página 220. Por um único e simples motivo: matadora profissional nascida no sertão do Piauí. Empurrada para São Paulo, a fim de escapar da miséria, ela perde o filho de seis anos (meningite) e tem o marido assassinado por bandidos – “Quem fez isso vai pagar”. Ao perceber que da polícia não poderia esperar nada, resolveu comprar um 38 e sair à cata dos dois criminosos. Quem poderia imaginar, indaga zombeteira, que uma mulher de olhos azuis com ar de evangélica era a morte? Antes de executar o primeiro, disse que ficou trêmula e dominada pelo medo e pela ansiedade. Em relação ao segundo, morto 15 dias depois, expressou que sentiu uma adrenalina forte, a verdadeira dona do mundo. Não tardou muito para receber, do gerente do ponto de drogas, uma encomenda de morte: dar fim, por 5 mil reais, de um concorrente que invadira os domínios do patrão: “ O primeiro tiro eu dava na cabeça, só pra ver o corpo despencar e provocar aquela sensação que me deixava poderosa. Depois vinha uma tranquilidade que durava dias.”