Da leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas, romance considerado um divisor de águas na ficção nacional, ficaram importantes lições guardadas até hoje na memória. Primeira, que dificilmente damos conta de um texto machadiano numa única leitura, sendo necessário, no mínimo, umas duas ou três, e olhe lá. Segunda, que Machado não diz as coisas claramente, exigindo do leitor a compreensão das entrelinhas. Terceira, perceber que o autor não está interessado em nos contar uma simples história, porém em nos levar a refletir sobre essa nossa triste condição humana, cheia de contradições e torpezas. Quarta, a inovadora preocupação em dialogar com seus fiéis leitores, conduzindo-os pela mão através dos intricados labirintos da narrativa. Quinta, o emprego da ironia e do humor como recursos eficazes no desmascaramento das relações sociais e amorosas, pondo abaixo qualquer ilusão que ainda se tenha a respeito dessas coisas. Sexta, escrever bem não é escrever de forma incompreensível, mas primar pelo estilo sóbrio e equilibrado. E, finalmente, algumas de suas frases são tiradas filosóficas de profunda sabedoria.

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– “Crê em ti, mas nem sempre duvides dos outros”.

– “Há coisas que melhor se dizem calando”.

– “A morte de uns é a sorte de outros”.

– “O Cristianismo é bom para as mulheres e os mendigos”.

– “Não te irrites se te pagarem mal um benefício: antes cair das nuvens, que de um    terceiro andar”.

– “Está morto: podemos elogiá-lo à vontade”.

– “O dinheiro não traz felicidade – para quem não sabe o que fazer com ele”.

– “O vício é muitas vezes o estrume da virtude”.

– “Matamos o tempo, o tempo nos enterra.”

– “Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento”.

O contato com os outros textos de Machado de Assis, sobretudo, Dom Casmurro e A Cartomante, transformaram o que era ódio inicialmente, ou simples estranheza, na mais desesperada paixão, daquelas de marcar a gente até a medula. “A nossa cachaça diária”, como bem expressou Carlos Drummond de Andrade, referindo-se ao conjunto de sua vasta e surpreendente obra. De seu universo ficcional, não podemos esquecer as personagens femininas, tão sedutoras e enigmáticas a ponto de levar os homens à loucura e, geralmente, à mais completa solidão, como são exemplos Capitu, Virgília e Sofia.

Que maravilhoso estarmos conversando aqui sobre o “Bruxo do Cosme Velho”, justamente quando o Brasil comemora 177 anos de seu nascimento, completado em junho passado, esse mulato que é apontado como o nosso melhor escritor pela unanimidade da crítica nacional, bem como o maior autor negro da literatura universal, segundo a opinião insuspeita de Harold Bloom, renomado crítico norte-americano.

Machado de Assis deve ser tomado, costumo dizer, como modelo literário e de vida, uma vez que tinha tudo para dar errado (pobre, negro, favelado, gago, epilético e sem curso superior) e acabou dando certo. O mais extraordinário de tudo é saber que, tanto em vida como após 108 anos de sua morte, ele continua ainda a ser lembrado, lido e amado cada vez mais, inclusive no exterior.

Apesar de seu crônico pessimismo, não custa nada rememorar uma das tiradas sensacionais do filósofo Quincas Borba, personagem dos mais instigantes da galeria machadiana: “Verdadeiramente, só há uma desgraça – é não nascer”.