Há alguns anos, li uma poesia que me impressionou deveras. De alguma forma, sua mensagem falou por dentro das duras paredes que me cercavam. A alma, larga, avançou como um raio de prata. Dizia que passamos pelas ruas e não enxergávamos uma gota de orvalho que escorregava por uma folha de amoreira.

Queria dizer que vivíamos qual tivéssemos um tapa-olhos, como o dos cavalos, que nos impedia de olhar para os lados. Seguimos apressados, olhando para frente, sem nos determos para contemplar as possíveis belezas que nos franqueiam. Deste modo perdemos grande parte da vida. Se tivéssemos observado aquela gota, perceberíamos que o sol, ao tocá-la delicadamente, prismava suas cores qual um diamante natural.

Aquilo me ensinou que devemos estar atentos a tudo que nos cerca. Claro, perdemos parte do que acontece pela limitação de nossos sentidos, mas, ainda assim, perceberemos uma boa parcela. A riqueza e a motivação de nossas vidas só tem a ver com o tamanho de nossa percepção do que nos cerca.

Em tudo há belezas a serem descobertas. Qual a gota observada na folha, tudo tem algo de belo a ser colhido. Depende de nossa disposição de encontrar. As cores ganham uma intensidade jamais vista. Delicadas, as coisas se revestem de uma vitalidade inusitada. Dará a todas as coisas o complemento de beleza que faltava. E assim, a vida será verdadeiramente agradável aos nossos sentidos, agora enriquecidos. O que pode haver de belo ou de significativo a ser observado em uma prisão, além de grades, muralhas, guardas armados e presos? Mesmo assim, é preciso procurar, para sobreviver à ignorância circundante. Até uma aranha pode ser bela em seu movimento existencial.

Em outra oportunidade, escutei uma historinha que, como a anterior, definiu-se como profunda lição de vida. Um mestre de Zen Budismo estava reunido com um de seus discípulos na sala de chá. O aluno perguntava, insistentemente:

– O que é Zen, o que é Zen, Mestre?

O professor, silencioso, apanhou o bule de chá, cercado de todo ritual que consiste aquela atitude para o oriental. E, com a alma ali presente, serviu o afoito rapaz, na quantia exata que a tradição recomendava. Voltou com o bule e colocou sobre a mesa, virado para o sol, com enorme suavidade. Completado o ato, sentou-se calado.

O discípulo continuou perguntando, sem se dar conta que a pergunta já estava respondida. O mestre guardou-se em seu silêncio de jade. Zen é perfeccionismo. Fazer o que tem que ser feito com o máximo de perfeição que se é capaz. Não importa o que. Varrer uma sala, por exemplo. É uma realização em si, varrê-la corretamente. Durante um tempo, fiz faxina em uma galeria enorme da prisão. Era preciso varrer e passar o pano molhado no corredor de mais ou menos 60 x 15 metros. No começo foi difícil. Mas, conforme fui desenvolvendo a técnica de fazer rápido e bem feito, juntava até platéia de guardas e presos para me ver fazer o meu trabalho. A sincronia e o ritmo eram determinantes. Tudo tem um significado em si. Nos toca procurar e encontrar.

Este é o segredo da motivação de viver. Não existe uma motivação em especial, viver em si é o motivo. Todo ato, todo pensamento traz em si significado de existência daquele instante crucial. O ontem já passou, o amanhã acontecerá, com ou sem cada um de nós. O que existe de verdade é o agora, vibrante de oportunidades. Não é ainda realização. É satisfação. Há uma satisfação pessoal em fazer bem feito.

Em tese, está tudo esta em nossas mãos. É preciso apenas estar atento ao que nos cerca e buscar fazer tudo completamente envolvidos no que fazemos para que nos realizemos em nossas existências.

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Luiz Mendes

14/12/2016.