(continuação)

“Pra você, caminhoneiro, aí solitário na boleia do seu caminhão, o silêncio da noite trazendo lembranças da mulher que o olhou naquela parada para o café com coca-cola, este bolero…”, diz a locutora de voz acariciante. Naquela hora, o rádio de todos os caminhões está ligado no programa “Com o Coração na Estrada”. Só Dalila não sabe se gosta ou odeia aquele programa. Gosta, sim, das músicas, mas a voz da locutora a perturba. Liga e desliga o rádio, como se sentisse atração e repulsa. O velho Soares já nem se irrita mais com este capricho da filha, limita-se a fazer um muchocho e a perguntar: “por que você não muda de estação?” Ela não sabe, nunca soube. É sempre assim, como se aquela voz lhe trouxesse um pressentimento. Bom?, ruim? Não sabe. Algo como um chamado.
Dalila despertou de um cochilo ao sentir que o caminhão saía, de repente, da estrada. Assustada, voou no volante e bateu no corpo inerte do pai. Estava morto o velho Soares.
À frente da frota, vão agora Dalila e seu filho de 5 anos, Aruan (registrado Aruan de Dalila), que em tupi significa mel. Inteligente, engraçado, meigo, Aruan é realmente mel. Tem com a mãe uma ligação semelhante a que Dalila teve com o velho Soares. Faz-se acompanhar de um papagaio, que só fala de inteligível “meu bem”.
Aruan é um apaixonado pelo rádio, especialmente pela locutora de voz acariciante. Briga com a mãe cada vez que ela tenta desligar o rádio na hora do programa “Com o Coração na Estrada”. Afirma conhecer a locutora e a descreve com as características da mãe.
Sempre que chegam a Belém, Dalila e Aruan vão a uma loja de chocolates. Numa das vezes, no momento em que compram chocolates, Dalila é atraída pelo olhar de uma mulher que está do outro lado da vitrine. Ao virar-se para pagar a conta, a mulher desaparece. Ela corre para a porta da loja, vê a mulher de costas, distanciando-se. Tenta segui-la, mas perde-a no meio dos transeuntes. De agora em diante, aquele rosto voltará à sua mente de maneira perturbadora.
Um acidente que danificou seriamente um caminhão e a ameaça de falência, levam a família Soares à decisão de vender a frota. Inconformada, Dalila resolve mudar-se para Belém. À tristeza da perda de sua frota mistura-se a excitação de uma esperança: descobrir aquela mulher. Porquê, para quê, ela não sabe. É como se fosse algo inevitável, coisa do destino, que não se fez esperar: ainda na viagem de Altamira para Belém, Aruan vê, numa revista, a reportagem sobre uma disc-jockey, que ele alegremente identifica como sendo “aquela locutora”. E assim, Dalila tem diante de si a foto da mulher que procura. Não havia dúvida, era ela, a locutora, que não era só uma locutora, mas uma famosa disc-jockey da capital. Suiá, chamava-se, casada com um dos donos da emissora, mãe de três filhos lindos, dizia a reportagem.