Por Samária Andrade

Acabei de ler a autobiografia da Rita Lee e fiquei convencida disto. Se você duvida, vejamos as incríveis semelhanças:

RITA LEE BOOKS B

 

– Ambas estudamos Comunicação, gostamos de escrever e duvidamos de nossa voz para cantar (se não fosse o pessoal lá de casa reclamar que eu desafino, acho que até teria insistido mais).

– Temos duas irmãs, com as quais vivemos as mais loucas aventuras da infância. O que lembramos da escola nessa fase é muito menos de sala de aula e muito mais do corredor, da rua, da praça e de lugares por onde a casa nem sabia que andávamos (Tenho também um irmão e, olha aí, nesse ponto levo até vantagem em relação a Rita).

– Admitimos até hoje uma vontade de viver numa comunidade meio hippie, embora desconfiemos seriamente se essa é uma boa ideia.

– Adoramos ouvir rádio.

– Crescemos num casarão antigo e tão grande (ou eu achava) que tinha quartos desocupados onde vivemos mil aventuras com a molecada da vizinhança. É para lá que iam os amigos, primos, bichos, todo mundo. Quando nos juntávamos aos meninos da rua ficávamos tão terríveis que percebemos: passamos a deixar de ser convidados para as festinhas, embora mantivéssemos a carinha de anjo para nossos pais.

– Nossas mães, minha e de Rita, passavam horas na máquina Singer.

– Criamos muitos animais, especialmente gatos. E os gatos da vizinhança adoravam ir pra nossa casa.

– Tivemos que tomar Biotônico Fontoura como estratégia para engordar um pouco. Menino gordinho era mais bonito e orgulhava mais os pais. Nós duas preferíamos o Biotônico ao Óleo de Fígado de Bacalhau – a outra opção.

– Usamos muita roupa herdada dos maiores.

– Minha irmã mais velha, como a de Rita, na adolescência se apaixonava pelos meninos gays e sofria.

– Rita, em São Paulo, eu, no interior do Piauí, usamos um creme para os cabelos à base de cebola e folha de babosa feito por nós mesmas e amigas. Um horror! Mas acreditávamos que íamos sair daquela mais bonitas.

– Quando criança, teve uma fase que a menina que fazia mais sucesso era aquela que morria cedo. Assim, a gente queria morrer para ser cultuada, num marketing tipo “morra e vire santinha”.

– Começamos a tocar violão no início da adolescência. A única diferença é que ela continuou.

– Tínhamos exatamente as mesmas musiquinhas de cantar repetidamente em coro com as amigas. Na nossa preferida a expressão mais sutil era “bosta pura”. Nos sentíamos as delinquentes por entoar aquilo nas reuniões de família.

Para eu ser a Rita Lee só faltaram alguns detalhes: ter gravado discos de sucesso internacional e feito shows no Olympia, em Paris; ter roubado a cobra do Alice Cooper nos bastidores do show, ter visto Mick Jagger de queixo caído enquanto eu arrasava no palco, ter sabido do príncipe Charles cantando “Lança Perfume” com um sotaque britânico que deixou a música engraçadíssima, ser tirada da prisão por Elis Regina, ter usado ácido até me falarem que eu estava chata.

Como entre o sul do país e o Piauí havia uma distância maior em épocas pré-internet e eu vivi alguns acontecimentos que me tornariam Rita Lee com certo delay, pode ser que ainda tenha chances disso acontecer, né?

Disso podemos concluir: a) a sua/nossa vida (pelo menos uma parte dela) pode ser muito parecida com a vida de qualquer pessoa que esteja por aí, nesse enorme Brasil; b) a nossa história é, em grande parte, uma história social e não apenas nossa; e c) ter uma vida até banal não significa que você não possa virar uma estrela algum dia (mas pode ser que esse nem seja o seu desejo, nem o desejo de quem virou estrela).

Aí, se um dia eu virar a Rita Lee, reescrevo a nossa autobiografia, diminuindo a quantidade de vezes que ela usou a palavra “fofo” (desculpa, jornalista lê editando) e adorando ter escrito coisas como “não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo”.

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