André Gonçalves

Farinhada

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Emmanuel

(ou o 6)


Com certa frequência o barulho do mundo incomoda Rita Hayworth. Nessas horas ela sempre decide ir a parrí para abafar todos os sons do multiverso abraçada a Emmanuel. E lá vai Rita Hayworth, agora pelo mar porque ali, no fundo, só a voz de um ou outro peixe tagarela, weird fishes, weird fishes, e, vez em quando, um leve ressonar de Netuno, que dorme a sono solto. Bien dit, que fique claro aos sóbrios e aos excelsos: o mar de Rita Hayworth se estende por toda parte, ao sabor de suas conveniências. Curta, a viagem. Rita Hayworth já está no campanário, um pássaro em uma das mãos e três gárgulas como companhia. Rita Hayworth abraça Emmanuel e, com a ponta dos pés, faz leve impulso. Emmanuel não é mais um garoto, anda um pouco mais lento para soltar a voz. Mas logo o canto de Emmanuel e Rita Hayworth se espalha pelo ar e umedece os olhos da multidão que, até então, perambulava pela praça guardando souvenirs em suas caixinhas de enxergar mas não ouvia o tic-tac-tic-tac-tic-tac-tic-tic-tac-tac do próprio coração. Rita Hayworth e Emmanuel, um par insólito. “Notre Dame, santa Maria venerada até por mim que não acredito em Céu, abençoa o  coração de Emmanuel e que ele viva outros trezentos e trinta e quatro anos para que eu possa ser feliz um dia ou outros”. Rita Hayworth, quase bêbada, toma mais um gole e calça suas meias. Há um furo no dedão. Dane-se.

Das distâncias mínimas abissais

Outro dia alguém disse que o inimigo que nunca derrotaremos e que nos levará ao encontro dos dinossauros já está aí, entre nós. E que seria um vírus. Para esse alguém esse inimigo impossível de ser derrotado não virá do nada, do além, de outro ponto do universo, dos multiversos. Nosso inimigo que alguém me disse ser previamente vitorioso está dentro de outro alguém, que nem o sabe.  Talvez em mim. Talvez em você.
Temos medo das coisas muito grandes. Asteroides, explosões solares, terremotos, solidão. Veja bem que o medo vem da sensação de sermos bem pequenos. Não há como não dar razão a nossos medos. Basta olhar uma montanha e vemos o quanto somos pequenos. Basta olhar nossos pés e compará-los a qualquer caminho que desejamos seguir, que nos vemos em nossa mínima condição. Humana.
Veja que ironia. Temos esse medo das coisas enormes e há o risco de que o que nos risque de uma vez por todas da face da Terra seja algo que ninguém consegue ver sem microscópios ultra potentes de última geração.
Me lembro de algo que vi na Tv e que talvez tenha sido a única coisa realmente importante que vi na Tv em toda a minha vida: vi que é impossível dois átomos se tocarem e que, por isso, na realidade nós nunca tocamos em nada. É física quântica, isso. Dois átomos nunca se tocam. Isso significa que quando nos abraçamos nossos corpos não se tocam. Que, quando nos beijamos, nossos lábios não se tocam. Que naquelas noites que viramos juntos, sorrindo um dentro do outro, estávamos, essencialmente, sozinhos. Cada um consigo mesmo. Que triste isso. Que físico, isso. Que estranho, isso.
Temos medo das coisas grandes e não percebemos que é das pequenas coisas que mais devemos ter medo. Como vi na Tv, são essas mínimas distâncias que nos afastam. As distâncias entre dois átomos são abismos colossais entre nós e o mundo. Não sei bem o que fazer com isso. Não sei bem. Não sei se agora tenho mais medo de asteroides, de vírus ou de “entreátomos”.
Por via das dúvidas, dê cá um abraço. Por via das dúvidas, dê cá um beijo. Por via das dúvidas, vem, deita aqui e me ama. Um pouco mais forte que de hábito, um pouco mais fundo que de costume.
Quem sabe a próxima descoberta da física quântica seja a de que ela, a física quântica, estava errada. E que cada átomo meu consiga beijar cada átomo seu e nossos átomos, todos, consigam viver felizes para todo o sempre.

Revista de tipografia e caligrafia (I)

I

Aos sete anos ficou sabendo que nunca seria alguém. E quem o disse foi aquele que agora estava ali, deitado, rijo, frio, mãos cruzadas sobre o peito faltando dois dedos na direita, o mindinho e o anelar, um cobertor de flores cobrindo o que seriam as pernas se elas ainda existissem, pernas que desapareceram há trinta e sete anos, ou seriam quarenta e dois, no acidente na Curva da Tartaruga, encontraram o carro, rodas para cima, e o corpo, que ainda não havia sido daquela vez que deixava de ter as características que por hábito se costuma dizer dos que estão vivos, demoraram algum tempo para encontrar, uma hora, talvez meia, um tanto escondido dentro de uma vala, um buraco, quem pode dizer como surgiu ali aquela cova que, ao contrário do que se pensa a respeito das atitudes habituais das covas, não o abrigou por toda a eternidade mas, sim, por pouco mais de uma hora, talvez meia, e o livrou da definitiva cova, a última, a derradeira, a providência divina aparece das formas mais inesperadas, pois essa cova, cavada ali, presume-se, pelas mãos do Altíssimo, para quem n´Ele crê, ou pelo vento ou pela chuva para os incrédulos e materialistas ferrenhos, foi a salvação, o coração ainda batia, o sangue corria, os pulmões respiravam, os olhos enxergavam um pouco de azul por trás de alguma névoa, que a dor muitas vezes dói tanto que deixa de doer mas coloca nuvens nos olhos. Vivo, ainda, mas duas pernas faltavam pouco abaixo dos joelhos e nunca foram encontradas, nem pelos que o socorreram, nem pela polícia, nem pelos cães, que muitos sempre houve por ali, terra de gente simples, poucas posses, pouca comida, pouca água, mas sempre um cachorro ou cadela para dividir o que sobrava ou partilhar a fome e a sede, e pode-se afirmar que as pernas, desaparecidas, desaparecidas realmente permaneceram e ainda seguem, pois pelo menos algum desses cães, se as houvesse encontrado, haveria de voltar para casa ao fim de um dia qualquer com um pedaço, um resto, um qualquer coisa preso aos dentes, e seu dono ou dona certamente haveria de o perceber pois ali, naquele lugar, bicho ou gente com fiapo de carne preso a um dente não é coisa comum. Disso nunca houve notícia, e o tempo passou, e aquele que agora ali está, digamo-lo novamente, deitado, rijo, frio, mãos cruzadas sobre o peito faltando dois dedos na direita, o mindinho e o anelar, um cobertor de flores cobrindo o que seriam as pernas se elas ainda existissem, passa seus últimos momentos, talvez hora, hora e meia, talvez menos, por sobre a terra, mas disso não pode saber já que está morto, e não há notícias fidedignas de que algum morto tenha por si mesmo dado a perceber sua condição de mortitude, e caso isso alguma vez tenha ocorrido, resolveu ele mesmo manter-se em silêncio, o que tampouco pode-se esperar que seja possível pois quem há de acreditar que um morto que seja capaz de perceber que está morto não esteja sim vivo, e que assim sendo iria gritar ou, no mínimo, balbuciar qualquer coisa que fosse para dar aos outros vivos notícia de que não, não haveria chegado sua hora, vamos festejar que a vida segue.

Das distâncias que caem a razões pouco razoáveis

Não há notícias de que alguém ande por aí a medir a espessura ou o volume ou o peso das gotas de chuva, o que não exclui a possibilidade de que existam pessoas realizando tão relevante tarefa, grupos de cientistas, estudiosos anônimos e determinados, pode-se dizer até obcecados, incumbidos das obrigações científicas de explicar os mistérios do mundo, imagine dois desses gênios andando por aí, talvez até rivais em competição, Essa mede tanto, Essa mede tanto, Olhe, minha chuva está mais grossa que a sua, venci, Ora, a sua chuva pode ser mais espessa mas a minha molha mais, disputas do gênero tão comuns no dia a dia dos seres humanos seja em que área for do conhecimento, e até do desconhecimento, digamos assim. Vamos desconsiderar momentaneamente essa possibilidade, mas podemos afirmar que chovia uma chuva fina na tarde em que Alfredo conheceu Beatriz e que, a despeito do aparente pouco volume de água presente em cada pingo da chuva que Alfredo tomava, ele estava bastante molhado. Tentou correr para evitar que se ensopasse mas foi uma inútil tentativa, é esse um dilema bastante antigo da humanidade, como se molha mais, quando se corre na chuva com a pressa de terminar logo o trajeto ou quando se anda lentamente, a segunda hipótese demanda mais tempo na travessia porém diminui o impacto das gotas no corpo e ao menos em tese reduz a quantidade de água acumulada, e essa, convém dizer, é a hipótese lançada por um grupo talvez mais preguiçoso ou sem grande vontade de correr, ainda há gente realizando essa pesquisa mundo afora, talvez aqueles mesmos já citados, porém sem resultados concretos, e espera-se para breve uma resposta definitiva a tão inquietante questão, quem sabe a metodologia adequada seja mesmo a medição da espessura das gotas, vamos torcer pelo fim das pesquisas, que já nos cansam a todos esperar, mas por ora pode-se afirmar sem medo de equívoco que Alfredo estava, mesmo, completamente encharcado, nenhuma novidade, era assim sempre que se esquecia de carregar o guarda-chuvas, como naquela tarde. Nunca houve um só dia em sua vida em que, carregando o guarda-chuvas, este tenha se tornado instrumento útil, se o trazia consigo, por mais que ventasse, trovejasse, relampeasse ou sua mãe o avisasse, nada de chuva, nem um pingo, nem uma gota, nem um mililitro, nada, se o céu estivesse pesado e arroxeado para chover não chovia, mesmo que se sentisse o cheiro de terra molhada que anuncia a chuva, é bom que aqui se abra um parêntese para dizer, apenas a título de curiosidade e sem mais pretensões, que tal cheiro nunca sai da terra, mas sim provém de uma bactéria presente no ar e que se rompe em alta de umidade e libera o que se convencionou chamar de cheiro de chuva, e é um cheiro que quase toda a gente diz ser bom, talvez alguma nostalgia atávica, enfim, não é esse o ponto e, sim, que se Alfredo carregasse consigo o guarda-chuvas e o serviço de meteorologia avisasse no rádio de uma chuva torrencial ela não vinha, se a moça do tempo ajoelhasse na tela da TV jurando por todos os santos, por Nossa Senhora, pelo Santo Padre, pela mãe, o pai ou mesmo os filhos que choveria naquele dia, nada, tudo pareceria armado para a mais diluviana tempestade mas ela não viria. Ao contrário, bastava Alfredo sair sem o guarda-chuvas um dia que fosse e lá vinha ela, fina, persistente, constante, não havia como falhar, tudo que fosse ao contrário do afirmado acima, ou seja, mesmo que o céu estivesse azul, aberto, claro, ou, se de noite fosse, estrelado, limpo, mesmo que não houvesse vento nem cheiro de chuva nem previsão meteorológica, mesmo que nos jornais aparecesse ao lado da data de publicação um pequeno sol desenhado, como é de praxe nos periódicos diários, mesmo assim, era só Alfredo se descuidar, se distrair e sair de casa sem o guarda-chuvas pendurado no braço direito e, exatamente após concluir o centésimo vigésimo quarto passo, começava a garoa. Pois era uma dessas tardes. Alfredo havia esquecido o guarda-chuvas, já dera bem mais que cento e vinte e quatro passos, talvez passassem já dos mil e quinhentos, o que nos induz a crer que verdadeira, diante do já exposto, sua situação de encharcado, foi nessa situação que Alfredo, molhado até a alma se almas existirem e de alguma maneira possam se molhar, ao dobrar a esquina deu de cara com Beatriz. A bem da verdade dos fatos é bom considerar que “deu de cara” é uma afirmação hiperbólica, já que Beatriz vinha caminhando em sua direção, porém, à distancia de cerca de um quarteirão, ou algo próximo a cem metros do local em que Alfredo se encontrava naquele instante, e foi tão grande o impacto que Alfredo não conseguiu dar mais um passo que fosse. De alguma maneira, mesmo estando o rosto de Beatriz a tal distância, pareceu a Alfredo estar ali a menos de um centímetro, talvez meio ou menos, de seus olhos, Alfredo nunca havia visto assim tão de perto um rosto de mulher, exceção feita ao rosto de sua finada mãe, e vamos novamente lembrar que o rosto de Beatriz se encontrava a cerca de cem metros de distância. E enquanto ela caminhava em sua direção essa distância caía à razão de um metro a cada dois segundos, agora eram noventa e nove, agora noventa e oito, agora noventa e sete, e assim foi até que Beatriz e seu rosto estacionaram a trinta e oito metros dos olhos de Alfredo, mas para ele foi como se ela estivesse dentro dele, como se ela houvesse invadido cada ínfimo espaço de seu corpo, não mais órgãos, não mais vísceras, tudo agora dentro dele era Beatriz, seu coração pulsava Beatriz, seus pulmões respiravam Beatriz, e para poupar o leitor de descrições anatômicas desnecessárias vamos afirmar que, interiormente, todo Alfredo era agora Beatriz, que se Beatriz respirasse também respiraria Alfredo, que se Beatriz sorrisse também sorriria Alfredo, que se Beatriz derramasse lágrimas haja lenços para consolar Alfredo, e que, se Beatriz por algum motivo misterioso desaparecesse do raio de visão de Alfredo, morto ele estaria, já que, assim como morrem os seres humanos à falta de oxigênio, morreria Alfredo sem Beatriz, que, a partir daquele instante, ele respirava. E naquele ponto da rua ficou Alfredo estacionado, completamente imóvel, quase petrificado, algum desavisado poderia pensar ser uma estátua, uma homenagem dos munícipes ao encharcado anônimo, mas era Alfredo, olhos fixos em Beatriz, que voltara a se mover em sua direção mas ainda sem o olhar nos olhos, não que ela os evitasse, mas é que os olhos de Beatriz corriam alegres pela rua, iam de um lado a outro, de uma calçada a outra, olhavam para baixo e um segundo depois para cima, e muito havia para ser visto pelos olhos de Beatriz que olhava para tudo muito e bastante curiosa e desatenta, e seria muito mesmo uma obra do acaso se em algum momento os olhos de Alfredo e Beatriz se cruzassem, quase tão improvável quanto um choque planetário entre Vênus e Plutão, e Beatriz sorria, e Alfredo tentava entender porque e como em meio à chuva que caía por toda a cidade Beatriz caminhava com o sol brilhando sobre ela. Um sol leve, como um sol que acaba de nascer, refletindo-se nos cabelos, era como se Beatriz emanasse luz, e o sol ainda pintava de leve amarelo as flores que Beatriz trazia na cabeça, e Alfredo ainda também não entendia como e porque ao redor de Beatriz havia borboletas, azuis, verdes, lilases, de todas as cores, que dançavam ao seu redor enquanto ela caminhava e sorria. E Beatriz já voltara a diminuir a distância entre ela e o estacionado Alfredo à razão de um metro a cada dois segundos, agora, vinte e seis, agora vinte e cinco, contemos mais rapidamente e agora eram vinte metros, dezoito metros, agora oito metros, logo seis metros, e então Beatriz parou a exatos dois metros de Alfredo. E se o mundo é feito de regularidades, e se a ciência se baseia nas probabilidades e nas certezas, se as certezas decorrem da razão empírica, a razão, rainha de tudo o que há, se o mundo conhecido é feito pelas convicções e as coisas possíveis (dizem que já é morta a metafísica), nada existe fora da substância, é o que dizem muitos, então se é isso que é, algo de muito misterioso e improvável e enigmático, talvez só compreensível aos místicos e aos que tais, aconteceu. Beatriz parou em frente a Alfredo, olhou nos olhos de Alfredo e sorriu.

Enfim, embora com atraso, o tão bem guardado segredo

Antes que me ponha, finalmente, a revelar o tão bem guardado segredo que é a receita obtida por meu tataravô a duras penas nas ilhas geladas da Rondívia em fins do século 18, deixo aqui registrado, para toda a não-eternidade, que o universo não é composto por terra, água, ar e fogo, como vem da filosofia grega clássica e posteriores.
A Rondívia, este país situado em algum ponto a leste da rua Humboldt, cujo único cidadão caucasiano branco bípede com polegares opositores, barba, bigode e cabelo quase nenhum e que algum dia tenha escutado a quinta sinfonia a visitá-lo foi meu tataravô, é pródiga (a Rondívia, caso já tenha se esquecido tão longa foi a frase anterior) na produção de duas coisas: vento e filósofos. Tanto assim que os filósofos da Rondívia são absolutamente desconhecidos em qualquer parte do mundo mas, caso se desse o contrário e o mundo inteiro tivesse se dobrado à sapiência filosófica desses gênios desconhecidos, diria-se desses serem os filósofos cabeças-de-vento.
Os filósofos da Rondívia há muito sabem que tudo o que existe, existiu ou haverá um dia de existir é composto por cinco elementos essenciais: sal, peixe, vinho, música e amor. Desses cinco elementos deriva-se todo o universo. O corpo, a pedra, a folha, o mar, o sol, as pilastras dos palácios, os livros, os macacos, as bactérias, e até mesmo os políticos e os árbitros de futebol,  ou seja, tudo que há, houve e haverá, tem a gênese nesses elementos, o que foi muito tempo depois interpretado um tanto erroneamente por Aristóteles e pelos alquimistas e por Jorge Ben Jor. Isso gerou a ilusão dos quatro elementos, a quintessência e outros enganos, coisa que deixaremos para comentar em outra oportunidade caso ela ainda nos surja em vida, assim como os motivos e circunstâncias que levaram meu avô a aportar na Rondívia e tudo o que sucedeu após esse fenomenal evento.
O fato é que o universo é composto por sal, peixe, vinho, música e amor. E é daí que vem a receita mais famosa da Rondívia: dos cinco elementos, mais a sextessência rondiviana, que é o macarrão. Hoje, através da ciência pós-moderna, sabe-se que o macarrão é fonte de carboidratos que são fundamentais para nossa sobrevivência, e daí se percebe a sabedoria do povo rondiviano transformada em culinária: os cinco elementos essenciais, mais a sextessência, fazem a Bacalhonada, o prato fundamental em torno do qual se reúne todo o conhecimento dos filósofos da Rondívia e, portanto, o conhecimento humano.
Tudo isso foi dito para que você perceba a necessidade de se reverenciar a receita que segue, e transformar o ato de prepará-la em evento ritualístico e sua deglutição em uma festa que deve ser anunciada aos quatro ventos antes, durante e após todo o ritual, até mesmo pelo rádio ou, quem sabe, por pombos correio, muito mais modernos.
Uma última observação antes da receita propriamente dita: siga rigorosamente as quantidades determinadas, para não correr o risco de um resultado absolutamente cartesiano. Assim como na vida, quanto mais se segue as regras menos se controlam os resultados, e é isso que faz, desse prato, um símbolo indelével da sabedoria dos mais sábios de todos os sábios de toda a história humana.

Bacalhonada

Ingredientes:

* 500g de bacalhau em lascas
* 1kg de macarrão (qualquer formato, mas preferencialmente talharim, para que possam todos passar alguma vergonha ao enrolar o macarrão no garfo)
* 12 garrafas de vinho (algumas de vinho branco, outras de vinho tinto)
* um tantinho de azeite
* algumas cebolas
* alho em pasta
* uns poucos tomates
* um pouquinho de sal
* azeitonas sem caroço, pretas e verdes
* música a gosto
* uma ou mais pessoas as quais se ama

Modo de preparo:

Mergulhe o bacalhau em lascas (previamente dessalgado mas não muito) em meio litro de vinho branco. Deixe que o bacalhau fique um tanto bêbado, o que deve levar cerca de 45 minutos. Beba o meio litro restante.
Coloque música a gosto no ar, e convide a(s) pessoa(s) que você ama para dançar. Abra outra garrafa de vinho. Distribua vinho para todos a cada 5 minutos, talvez um pouco menos.
Faça o macarrão à parte: (fazer o macarrão é tão óbvio que não merece instruções).
Em uma panela média coloque o azeite, deixe esquentar; coloque o alho em pasta, doure as cebolas cortadas em rodelas; quando douradas, beba um copo inteiro de vinho, dê dois rodopios com cuidado para não se queimar e beije o(s) ser(es) amado(s).
Ponha na panela o bacalhau e mexa bastante, no ritmo da música previamente escolhida; coloque os tomates picados; mexa mais lentamente; experimente e vá colocando sal a gosto.
Acrescente ao conteúdo da panela dois copos de vinho branco, para fazer um caldo leve; deixe esquentar até quase ferver, mas não ferva; beba mais vinho.
Ao perceber que o bacalhau está suficientemente cozido, o que vai depender mais de quanto vinho tomou do que qualquer outra coisa, apague o fogo.
Em uma travessa coloque o macarrão, jogue o molho de bacalhau por cima, decore com as azeitonas pretas e verdes e mais rodelas de cebola, que foram fritas no que restou na panela.
Beba mais vinho, cante alguma coisa como “Corrientes, Tres Cuatro Ocho” ou algo que o valha, bem alto, e sirva.
Todos devem estar embriagados do vinho.
A música deve estar no volume suficiente para que todos cantem, mas que possam eventualmente trocar ideias e desconvicções e delírios sobre futebol, amores, Paris, Oeiras ou qualquer coisa que encante a alma.
Essa receita serve entre duas e 6 pessoas. Ou mais. Quem há de saber quantas paixões cabem dentro do peito?

P.S.: em breve, novas delícias culinárias típicas da Rondívia e seus arredores.