Torna-se fundamental para a sobrevivência nos dias de hoje a permanente observação de todas as possibilidades gestuais de seu próprio corpo, individualmente falando ou relacionadas ao mundo exterior, dentro dos mais variados contextos que se apresentem. Parece fácil, mas o que há de fácil na vida senão a morte? Daí, a importância de exercícios permanentes. Diários, ideal. Semanais, aceitável. Mensais, bimensais, anuais: inúteis. A constância e a repetição proporcionam resultados grandiosos, inalcançáveis com a indolência. Chega-se a tal grau de aprofundamento, porém, quando se inicia o processo, que é possível viciar-se a tal ponto que a concentração excessiva em perceber as possibilidades de um determinado gesto torna-se um risco. Portanto, ao realizar os exercícios de observação corporal, reúna em torno de si tudo que lhe possa transportar imediatamente àquela condição que alguns chamam de lucidez, em caso de imprevisto: contas de energia, prestações de automóveis, sapatênis, jornais periódicos, avisos de não fumar, dentre outros. Recomenda-se ter por perto, ao alcance máximo de uma gargalhada, alguém que a sociedade reconheça como “pessoa de juízo”, seja lá o que isso queira dizer. Pode-se começar com a análise de pequenos gestos, aumentando passo a passo a complexidade do gestual a ser analisado. Porém, antes do gesto, é preciso se aprofundar no conhecimento do membro que, a posterior, deverá realizar o gesto. Essa tarefa precede todas as demais atividades, e é bom que se coloque aqui algo que ilustre o procedimento. Pois bem.

Pode-se começar observando-se um dos dedos indicadores. Abstraia-se do ambiente e espiche o braço e esconda os demais dedos da mão escolhida e observe o indicador. Observe comprimento, formato da unha, eventuais pelos nele existentes e sua direção e forma de crescimento; observe as rugas que existem por sobre as articulações. É retilíneo, torto? Imagina-se que o esteja olhando na posição vertical, portanto, coloque-o na horizontal. Observe se tem alguma curvatura para cima ou para baixo. Vire. O dedo. Observe novamente as rugas nas articulações, e como suas formas, texturas e ângulos são diferentes das anteriores. Dobre o dedo, estique, dobre. Traga-o para perto dos olhos. Observe sua digital. Veja seu desenho, suas curvas. Mergulhe na sua digital e os sulcos serão rios, cercados por intermináveis cânions. Existem cicatrizes interrompendo os fluxos? Marcas, manchas? Dobre, estique, dobre, estique. Veja como muda de cor. Cumprida esta etapa, estique o braço, indicador em riste, como se estivesse apontando algo. Se possível em frente a um espelho. Inverta. Dobre o braço, e veja seu dedo indicador de frente, apontado para seu nariz. Permaneça assim alguns segundos. Mais alguns segundos. Um pouco mais. Relaxe. Todo o processo deve levar a exata duração do Bolero de Ravel, se possível, tendo-o como fundo musical. Ao final, deve-se respirar lentamente por dois minutos e, se bem realizado o exercício, estará apto a lembrar de cada detalhe de seu dedo indicador e de como ele se comporta do ponto de vista físico quando em riste, apontando para algo, alguém ou alguma coisa.

Esses são exercícios iniciais básicos, de nível elementar. Na próxima semana, mostraremos como um simples movimento como o de espichar o indicador em direções aleatórias pode levar tanto à reflexão mais profunda sobre a natureza humana quanto provocar maremotos e inundações em qualquer continente, coração ou outro recipiente. Em caso de dúvidas, envie foto 3×4 de seu dedo indicador e o nome de sua primeira professora de matemática.