Todos os dias, por volta das cinco da tarde, ela estacionava seus setenta e poucos anos ali, em frente à loja de discos no Largo do Machado, colocava suas sacolinhas no chão e esperava. Da loja logo soava, bem alto, o Bolero de Ravel, que ela regia, concentrada. Algo em torno de treze minutos depois, uma reverência da maestrina improvável a um público invisível, sacolinhas de novo nas mãos e o andar instável em direção à esquina.

Trinta anos depois ainda não sei bem quem melhor representaria a loucura: a maestrina, o dono da loja de discos, eu, que sempre assistia ao espetáculo ou as pessoas que passavam e achavam aquilo uma coisa de loucos.