Era quinta-feira em 1971. Um ano antes de morrer, Torquato Neto escreveu em sua coluna do jornal Última Hora: “você pode sofrer, mas não pode deixar de prestar atenção”. Em seus textos, mais do que melancolia, há uma voz pragmática, tentativas resolutivas: “tristezas não pagam dívidas”, “um poeta não se faz com versos”, “só quero saber do que pode dar certo”, “toda palavra guarda uma cilada”, etc. Qualquer experiência é uma espécie de aprendizagem. Sendo assim, como aprender a ser poeta? 

Torquato nasceu em 1944. Observando (ou obversando) originais datilografados na adolescência, escritos aos 17, 18 anos, lemos avaliações e comentários manuscritos, a lápis e caneta, assinados por outra pessoa. Na folha de “Um cidadão comum” (09.08.1962), a sentença: “mais ou menos”. “Em Poema do aviso final” (22.09.1962): “bom na intenção / bom na execução / por mais que eu não quisesse”. Na borda de “Balada para acordar Rosinha” (15.11.1962): “bom. um fausto de esperança”. Em “Êxodus”: “bom trabalhar nele”, “terminar aqui”, e o orientador corta os oito últimos versos. O caso de “Poema desesperado” (jan. 1963) é especial: duas palavras com caligrafias diferentes no final da página. O que parece ser a letra de Torquato diz: “fica”. Mas, do lado, a outra letra reprova: “não!”. Tais avaliações são assinadas por “WA.”, as iniciais do escritor gaúcho Walmir Ayala (1933-1991), fazendo um tipo de oficina poética com o jovem aprendiz no Rio de Janeiro. 

Anos antes, em 1957, na histórica página Poesia Experiência, do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, o poeta e crítico Mário Faustino (1930-1962), interessado em um “sentido renovador”, no que ele chamava de “desenvolvimento da poesia brasileira”, tratou do poeta Walmir Ayala várias vezes. Em abril, publicou-lhe o poema “Diálogo”. Em junho, criticou duramente seu novo livro – Este sorrir, a morte – apontando que WA. estava com “grande pressa em publicar, em aparecer”. Para Mário, o poema “O arauto” era o “único publicável”, e encerrou: “passe uns anos sem publicar coisa alguma, estude muito, seja severo consigo mesmo e com sua obra e reapareça com um livro orgulhoso, austero, novo, realmente recriador do mundo e das palavras.” Segundo Faustino, Walmir “reagiu com uma carta insultada”, mas depois, enviou novos poemas pra coluna. Mário tinha um método próprio. Registrou que “alguns são péssimos”, e os outros foram publicados. “Numa época em que verso está quase chegando a significar bocejo, eis alguém que consegue interessar até o perito mais exigente”, continuou, reafirmando sua esperança no potencial do jovem W.A., então com 24 anos, orientando: “mantenha-se nessa altura, o Sr. Ayala e dentro em pouco será conhecido como um dos poetas sérios do país”. Anos mais tarde, Walmir Ayala se tornou reconhecido e premiado escritor. 

Mário Faustino e Torquato Neto são os dois poetas piauienses mais lembrados no Brasil. Jornalistas, ambos morreram extremamente jovens, de modo trágico, num fatídico mês de novembro. É misterioso e instigante acompanhar suas conversas, em épocas diferentes, com Walmir Ayala, como se ele fosse uma ponte a continuar, de alguma forma, um diálogo poético entre importantes conterrâneos que não se conheceram pessoalmente. Afinal, a principal matéria da poesia parece ser a troca. E um poeta, Torquato adiantou, talvez seja feito de prestar atenção.  

Thiago E. é poeta.

 Texto publicado na Revestrés#33 – outubro-novembro de 2017, edição especial Torquato Neto.