O mais belo pôr do sol

Depois de dar uma banana para o motorista que buzinava e xingava e mordia o painel do carro, que freara a poucos passos do seu corpo magro, ele olhou para cima e atravessou a avenida em dominó, atingindo o calçadão reticulado e mergulhando os pés descalços na areia quente.

A mochila no ombro.

E ali, diante do mar, um olho nas ondas e outro no voo oblíquo da gaivota, sorrindo ao céu e à cadência da moça que mergulhava das pedras, exibindo no dorso o mais belo pôr do sol, acomodou os ossos entre o menino que jogava frescobol e o vendedor que espalhava picolés baratos e mate com limão geladinho.

E assim abriu a mochila aninhada sobre as pernas rútilas de varizes cinza, coçou a sola de um pé com a unha do outro e abraçou com as duas mãos o sanduíche de mortadela. A primeira mordida no momento exato em que a moça retornava, as gotas de água pingando dos bicos dos dois irmãos sobre o seu sanduíche. Os olhos acesos no brilho do mais lindo pôr do sol só conseguiram gaguejar:

– Quer um pedaço?

– Quero – ela disse.

Era quase noite, o dia morria ali por trás da Pedra da Gávea.

Lua 

Eu disse coisas como é para o seu bem, você vai ficar boa, meu amor. Eu tinha faíscas nos olhos. Eu tinha fiapo nos dentes quando disse eles vão tratar muito bem de você, acompanhe os rapazes, não seja malcriada que não lhe farão nenhuma ruindade.

Eu repeti acredite em mim, meu filho, sua mãe precisava se tratar, ela estava mal, muito mal, você era pequeno, não entendia o que se passava. Ele perguntou está vendo aquela lua no céu, meu pai?, e gritou você vai me pagar muito caro.

Eu sei que fiz o que pude, o melhor que pude, por ela e por ele, por todos eles, mas a ingratidão é moeda fácil na face da terra, por isso não carrego culpas comigo e viveria duzentos anos não fosse essa luz intensa que jamais se apaga, eterna noite é a minha vida, essa abelha zunindo nos ouvidos, esse choro de mulher que não estanca, rasgando a terra e o próprio ventre.

Ele disse calma, pai, com uma doçura infinita na voz que reconheço como sendo de meu filho, não grite, não reaja, acompanhe os rapazes que eles são do bem. Repetindo, com muito carinho, eles não farão nenhuma ruindade, meu pai, você vai por bem ou por mal.

Meu filho tinha faíscas nos olhos, tinha fiapos nos dentes quando disse olhe a lua, meu pai, veja como ela está linda, e me diga se alguém precisa de testemunha mais sincera.

* Luís Pimentel é escritor e jornalista. Trabalhou nos jornais O Pasquim, Última Hora e O Dia do Rio de Janeiro. É autor de dezenas de obras em vários estilos dedicadas aos públicos infantil e adulto, além de biografias como a de Luiz Gonzaga.

(Publicada na Revestrés#27 – Outubro/Novembro 2016)